quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O Bullying na escola: violência emocional, física e psicológica

Simone A. de Carvalho Souza
Psicóloga Clínica – Especialista em Saúde Mental e Intervenção Psicossocial

Hoje em dia, a violência escolar é uma das que mais crescem, o bullying está intrinsecamente ligado a isso. A escola é co-responsável nos casos de bullying, pois é nela que os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam. É ali que os alunos deveriam aprender a conviver em grupo, respeitar as diferenças, entender o verdadeiro sentido da tolerância em seus relacionamentos interpessoais, que os norteiam para uma vida ética e responsável. Infelizmente, a instituição escolar é o cenário principal dessa tragédia endêmica, que por omissão ou conivência, facilita a sua disseminação. Mudanças estruturais educacionais são imprescindíveis. Mas, a maioria da equipe escolar recusa-se a admitir que o bullying ocorra na escola em que trabalha, muitos professores fecham os olhos para a agressão entre alunos, são omissos, ou algumas vezes agridem o aluno também, assim muitas vitimas de bullying ficam acuadas. Isso é muito grave quando acontece em qualquer época da vida da pessoa, mas, quando acontece na fase infantil ou na fase da adolescência pode trazer danos irreparáveis para a vida adulta. A auto-estima é a primeira afetada e pode desencadear problemas mais sérios, vitimas do bullying podem ter alem de problemas psicológicos, problemas fisiológicos, pois, a imunidade fica mais baixa.
O ato de violência na escola sempre existiu, mas somente em meados do século XX foi dado um nome universal bullying. E devido esses atos de violência virem crescendo cada dia mais no âmbito escolar, foi escolhido esse tema para discuti-lo, e através do mesmo fazer analogias com a realidade. A violência escolar diz respeito a todos os comportamentos agressivos e anti-sociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio e atos criminosos, sendo um problema universal tradicionalmente sendo admitido como natural e freqüentemente ignorado ou não valorizado pelos adultos, mas que pode deixar sérias seqüelas para as vitimas, tanto físicas quanto psicológicas, principalmente no âmbito cognitivo o desinteresse pelos estudos, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento intelectual, o absenteísmo, a reprovação e a evasão escolar. E importante sensibilizar os adultos, pais, professores entre outros a importância de sua atuação na prevenção, identificação e tratamento dos possíveis danos à saúde e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, alem da necessidade de orientar as famílias juntamente com a sociedade para enfrentar a cada dia essa freqüente forma de violência, o bullying (JOSEVALDO, 2010).

A CONSTRUÇÃO DOS SIGNIFICANTES PELA CRIANÇA

Simone A. de Carvalho Souza
Psicóloga Clínica – Especialista em Saúde Mental e Intervenção Psicossocial

“Histórias são pintadas, nas linhas de sua face [...].”(A-ha Trad. White Canvas, 2002).

Mas, do que trata o significante? Para Lacan (1979), é preexistente ao sujeito, condiz com o mito familiar, se repete e é perpassado por questões transgeracionais, além de ser relação de oposição entre o eu e o Outro[1]. O real e o simbólico se opõem não só por suas relações de materialidade concreta à fantasia imaginaria, mas, também pelo que é dito e o que é compreendido. Fundando-se, pois, o significante como instancia estruturante da linguagem,e efeito de sentido, um símbolo ao apontar para outro, remete ao significante. Lacan (LEMAIRE, 1979, p. 79) define o significante como:

Conjunto dos elementos materiais da linguagem, ligados por uma estrutura. O significante é um suporte material do discurso: “a letra” ou “os sons”. Não é nem o sinal nem signo da coisa, menos ainda o significado. O significado é o sentido, comum a todos, de uma experiência relatada no discurso. Exterioriza-se na globalidade sucessivos e não se situa em parte alguma precisamente no significante da frase.

A cadeia de significantes condiz com sua característica de remeter-se a outro, evidenciando-se por um efeito em cascata ao qual, sua principal característica de repetição denota o acesso ao inconsciente.

A “via régia do inconsciente”, qual seja, a linguagem do sonho, caracteriza se por ignorar as oposições, por empreender uma combinação dos contrários em torno de um único elemento (hoje diríamos significante, com Lacan) ou por representá-los como uma mesma coisa.  (AZEVEDO, 2004, p.19).

Para Rodulfo (1990), o significante tem que se repetir, perpassar o individual, o familiar e o social, e a partir do momento em que um elemento adquire gravitação significante dentro da cadeia já existente, algo novo se forma, além de valer-se pelas significações que vão se construindo.
Para que algo em psicanálise seja considerado como significante, tem que se repetir. [...] E mais, não reconhece a propriedade privada, não é próprio de ninguém: cruza, circula, atravessa gerações, trespassa o individual, o grupal e o social: não é pertencente a algum membro da família: em todo caso, é o problema que interpela cada um. [...] Quando um elemento adquire gravitação significante, no momento de sua introdução, algo novo se traça. (RODULFO, 1990, p. 20-21).

A importância do significante está em ser constitutivo do sujeito, em toda a sua trajetória, antes e depois dele mesmo. Assim como a forma como esse sujeito vai agarrar-se a vida, além da definição dos campos simbólicos e imaginários que povoam a mente deste, e que podem ser utilizados como instrumentos dos significantes. “O sujeito não é uma maquininha segundo soe um significante ou outro [...] de modo que não devemos nos apressar ao supor o significante um poder automático e onímodo.” (RODULFO, 1990, p.23).
            Para maior esclarecimento do significante, vale ressaltar sua diferença e relação com o signo e significado, utilizando o conceito de Zimermann (1999, p.55) que define: “Signo como unidade fundamental da linguagem, significante como imagem acústica deste, e significado como um conceito determinado pelo signo.”Este autor ainda oferece um exemplo para favorecer o entendimento destes conceitos: onde um farol, é significante em relação às leis de trânsito regidas por sua simples presença em determinado local, e as cores que ele apresenta, representa os significados.

[...] o psiquismo inconsciente funciona com uma cadeia de significantes de tal sorte que por meio de deslizamentos [...] um significante é remetido a um outro de um modo que permite comparar esse processo com o de uma decifração de uma carta enigmática, ou a de uma consulta de um termo no dicionário, que vai remeter a um outro termo, que remete a um terceiro, e assim por diante, até ser conceitualizado com algum significado. (ZIMERMANN, 1999, p. 55).

Da pureza inocente à perverso polimorfo, a criança assumiu em diferentes contextos sociohistoricoculturais, diferentes conceituações. Os papeis assumidos diante da família e da sociedade mudaram bastante. A importância do conhecimento deste âmbito para a definição do sujeito criança torna-se imprescindível por entender que os âmbitos citados acima, a definem. Ariès(1981) discorre sobre os processos de mudança acerca da conceituação infantil ao longo do tempo. Nos séculos XIV e XV, as crianças eram vistas como pequenos adultos, atribuindo a elas, trabalhos pesados. As famílias eram mais da ordem moralista do que da sentimental.
[...]as crianças demoraram até quase o fim do  século XVI para serem dignas de alguma importância e atenção. Antes disso, quando sobreviviam aos altos índices de mortalidade infantil, eram criadas entre os adultos, compartilhando promiscuamente todos os aspectos da vida, até que a maturidade física as tornava um deles. (CORSO; CORSO, 2009, p. 44).

Do século XVI ao XVIII, houve uma grande mudança, através dos novos contextos econômicos que se delineavam, o sentido de criança se transformou, e esta passou a receber mais cuidados, assim como também o direito a educação. Na família, essa transformação, fez com que a criança se tornasse o centro das atenções, apesar dos castigos serem considerados severos. A partir do século XIX, em consonância com as transformações sociais e políticas de profundo apelo médico-sanitarista, surgiram às creches. No inicio do capitalismo, a inserção nas escolas e faculdades condizia com as esferas sociais, neste contexto:

A escola tornou-se um instrumento de fragmentação da sociedade, na medida que isolou as crianças dos adultos e separou os ricos dos pobres. Pode-se perceber assim que, o prolongamento da infância, o aparecimento da adolescência, da idade adulta e dos níveis de ensino, foram fatores coadjuvantes na estratificação social (ÀRIES apud RODRIGUES, 2006, p.14).

No início do século XX, ocorre uma mudança radical acerca do pensar a infância, e isto deve-se as contribuições de Freud(2009) acerca da sexualidade infantil na sua obra Três Ensaios Sobre A Sexualidade Infantil(1905). Esta descoberta de Freud tem seu aporte teórico na instauração do Desejo na instância infantil, sendo a criança um ser desejante, de corporeidade pulsional. Outros autores também realizaram grandes trabalhos em detrimento da fase infantil, como Melanie Klein que começou a aplicar a técnica do brincar, depois das concepções de Freud acerca do brincar de carretel. Ela fundamentou esse conceito, levando em conta que o brincar infantil é expressão simbólica de suas representações inconscientes. As crianças enunciam de forma lúdica aquilo que está subscrito no inconsciente. A possibilidade de jogos e brincadeiras é infinita, pois, a cada criança que brinca, inventa algo novo, e tem uma representação diferente daquilo que se passa. Klein concorda com Freud ao relacionar a atividade lúdica às oníricas em se tratando de representação do inconsciente a partir dos simbolismos utilizados. Já Donald Winnicott, discorreu desde as mais primordiais brincadeiras, até os campos transicionais necessários, a importância da criatividade e do humor, e no âmbito familiar, a importância de uma mãe suficientemente boa[2]. Conforme Winnicott, (1977, p. 163):

Tal como as personalidades dos adultos se desenvolvem através de suas experiências de vida, assim as das crianças evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções de brincadeiras, feitas por outras crianças, e por adultos. (...) As crianças ampliam gradualmente sua capacidade de exagerar a riqueza do mundo externamente real. A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivencia.
                                                                            
O valor da infância condiz com a sua forma de ser constituinte primordial do sujeito. Todas as projeções futuras têm raiz no passado, enterrados no inconsciente. A noção de criança delineia-se por esta encontrar-se na fase infantil, por acarretar além de constantes mudanças biológicas e sociais, uma formação de cunho familiar e educacional, e transformações na cadeia de significantes que se delineiam e se fundem a partir desses movimentos. Além de ser um sujeito com incrível poder de imaginação, de fantasia e de criação.
Ricardo Rodulfo em O Brincar E O Significante(1990)aponta as posições que a criança apresenta para a psicanálise, e como vai se constituindo e tecendo a teia de significantes, definindo: a criança como falo, que vai muito além de ser desejado ou não, consiste na cessão do libido narcisista; a criança como sintoma, regida pela trama familiar é adoecida por esta; e a criança como fantasma, nascente perto de um falecimento de alguém querido, ao qual é herdado geralmente o mesmo nome. Essas classificações não são distintas, podem coexistir. Por conseguinte vale enfatizar que cada criança possui seu diferencial, este por sua vez provém dos significantes que a sustentam. Em detrimento disto, vale ressaltar a importância de se conhecer tudo o que cerceia a vida desta, desde seus mais primórdios indícios de vida. Ainda segundo Rodulfo(1990), ao nascer, a criança precisa de um apoio egóico, é de fundamental importância que a mãe ou cuidador exerça esse papel. Os papéis exercidos tanto pela criança como pelos adultos que a rodeiam será de fundamental importância para a formação desta, e para a uma vida mental saudável. A partir de uma condição de investimento e estimulação dos pais para com a criança, torna-se possível, esta conseguir atravessar com mais facilidade as fases que ainda estarão por vir.
Ao brincar a criança revela uma realidade que é só sua: a realidade psíquica consonante com a cadeia de significantes que a nomeia. Portanto o brincar é constitutivo do sujeito, em todo o seu desenvolvimento. E apesar de nem todo brincar estar ligado a um brinquedo, pois, está além do palpável, é simbólico. Assim, mesmo ao utilizar-se do brinquedo, o significante se encontra na realidade ao modo como a criança vai conduzir esse brincar. Da mesma forma que a associação livre funciona para o adulto, onde lhe é permitido ter um espaço para expor parte do seu inconsciente, no brincar a criança revela o que se delineou ou ainda esta se delineando como significante na sua vida. Ressaltando que essa forma de revelação só é possível quando a criança já tem condições para representar.
As primeiras formas de brincar decorrem da distinção entre o corpo do bebê e o da mãe. O bebê tem que criar um corpo para si, inicialmente é necessário criar uma diferenciação entre interno e externo, para isso se faz necessário à criação de uma pele. Essa é construída a partir do brincar do bebê com os objetos que estão ao seu dispor, sejam estes partes do seu próprio corpo ou do corpo do outro, sejam alimentos ou quaisquer tipos de instrumentos disponíveis. Para isto o bebê utiliza-se dos seus sentidos, morde, berra, cheira, reage com o olhar, toca. Assim como que para criar um corpo, é necessário tirar do outro, isto também ocorre em termos de significantes. Perfurando o corpo do outro é que se torna possível achar uma saída libidinal.
A constituição do sujeito se faz através da sua capacidade de simbolização, este como um advir de sujeito, descobre aos poucos a si mesmo e o mundo ao qual lhe é apresentado. Aqui se mostra outra forma do brincar, que é a criação de uma superfície, que significa sustentação, e pode ser repassada da mãe para o filho através da criação de uma rotina, de tornar o imprevisível, previsível. A criação de uma superfície do bebê por meio do auxilio de sua mãe permite-o simbolizar determinadas discrepâncias, entre o ir e vir, o aparecer, desaparecer, fenômeno observado por Freud e nomeado de Fort/Da.
Um terceiro tipo de jogo ocorre, quando há o rompimento do corpo do bebê/corpo da mãe, o bebê brinca de tirar e pôr os objetos que estão ao seu dispor, delineando a condição continente/conteúdo.
Para a criança tornar-se sujeito, é necessário que ela passe por uma transição, a do estado de fusão para o de separação, concretizando-se como faltosa, e efetivamente desejosa.Geralmente neste momento, a criança já brinca de aparecer e se esconder ao olhar do outro, do poder verbal do não, e essas ambivalências são fatores essenciais para o desenvolvimento da criança, pois, abre o caminho da possibilidade do aparecer e desaparecer, do ser ou não ser.
Com o brincar a criança vai crescendo e simbolizando a partir das representatividades que vai nomeando e ressignificando. Jogos, brinquedos, histórias e brincadeiras, com todo o seu conteúdo de infinitas possibilidades, criam uma forma da criança, vivenciar situações, criar seu corpo, delimitar seu espaço e deixar mostrar seus significantes, além de demonstrar o que mais há de libidinal/pulsional/institivo em seu âmago.
Seja qual for a fase da vida do sujeito, este é remetido sempre ao seu passado, seja por meio de reminiscências, seja pelas lembranças, os significantes são perpassados e renovados. A criança vive em um mundo fantástico, é o mundo real, atrelado à fantasias e ao imaginário. Transforma seus sentimentos, a partir de seu investimento em um trabalho lúdico, a partir das representações que lhe dá. Consonante a isso a linguagem pode advir das mais diversas formas, nos primeiros meses de vida, um bebê usa seu corpo como forma de falar, até estar pronto para verbalizar oralmente, este ainda continua se constituindo através dos símbolos que vai apreendendo. Assim a criança não só aprende sobre o mundo, mas também sobre si mesma. Na adolescência, diversos âmbitos da infância são revisitados, o conflito de não ser mais criança, e nem ainda adulto, sugere ao adolescente, formas de experimentação de ser um e outro. E o brincar ressignificado, abarca as angústias de um advir, e a descoberta de si mesmo, onde os significantes se apresentam instaurados no inconsciente, num movimento em cadeia, onde a repetição torna-se sua característica mais marcante.
Os significantes são perpassados para o sujeito das mais diversas formas, pela família, pela escola, pela cultura e todos os outros âmbitos aos quais, o sujeito se depara ao longo da vida. Os significantes são observados na psicoterapia com crianças, através de um trabalho lúdico, onde psicólogo e paciente são envolvidos em uma trama de descobertas e ressignificações. 


[1] Grande Outro, referente ao local onde se situa a cadeia de significantes e onde o sujeito aparece. É a ordem inconsciente simbólica que distingue-se assim do outro (com o minúsculo) que remete a um outro sujeito. (GARCIA-ROZA, 2009).
[2] Termo Winnicottiano para definir a mãe que atenta para as necessidades do bebê, e cuida para esta conseguir tolerar as frustrações.